28 outubro 2017

Meados de Março


Hoje faz um ano que ele se foi. E mesmo que eu tente disfarçar, ainda olho pela janela da sala, esperando ele chegar pra jantar. Mesmo sabendo, que o Gol preto não vai buzinar para que eu abra o portão da garagem, ainda fico aqui imaginando mil coisas e fazendo planos, que nunca serão concretizados. Nunca mesmo. 

Ainda não perdi o costume de fazer o jantar dele, mesmo sabendo que jantarei sozinha. Ainda não me acostumei em ver somente uma escova de dente no banheiro. Ainda não me acostumei a dormir sozinha, sem que o pé estivesse colado ao meu. Não me acostumei com a solidão. Não me acostumei com a separação.

Minha mãe veio me visitar sem aviso prévio, acho que ela sente quando não estou bem, e pelo fato de hoje ser um dia triste, ela resolveu vir até a minha casa. Enquanto ela fazia um café, observava-me pela cozinha. Sem que eu esperasse, me perguntou o por quê eu olhava pela janela, justo naquele horário. Silenciei-me. Ouvi seus passos, o barulho do chinelo velho arrastava pelo chão e ficava mais intenso conforme ela se aproximava. Senti seu braço esquerdo entre os meus ombros, puxando-me minha cabeça para o seu peito. Depois de muito tempo, senti escorrer uma lágrima, ao ouvir dela, que ele não iria mais voltar. 

- Mãe, é somente a força do hábito - Respondi com o meu cabelo escondendo o rosto.
- Não, isso se chama esperar por alguém que não vai voltar, enquanto muitos estão procurando alguém como você, alguém para amar - Ela respondeu enquanto tirava os meus cabelos dos meus olhos.

Março não é um mês legal. E ele conseguiu estragar o dia 6. Todo dia 6 eu entro em desespero. Eu surto, eu grito pela casa, eu pareço fugir de mim. Março é o mês da dor, da perda e da angústia. A dor não passou, mas pensar que já fez um ano, me dói o peito. Andar sozinha por todo esse corredor, que juntos, decoramos. Sentar no sofá sozinha, que ele escolheu a cor. Deitar na cama de casal, que trabalhamos tanto pra compra à vista... São tantas lembranças que doem, que sufocam. 

Minhas amigas só dizem "fique feliz por ele ter levado somente as roupas, e ter deixado a casa pra você". Mas na realidade, eu queria que ele ficasse comigo, nem que nós morássemos na rua, ou de favor na casa da minha mãe, como fizemos durante muitos anos. 

Penso todos os dias, aonde eu errei. Penso de verdade. Será que não fui tão boa esposa, pra ele arrumar uma amante e me largar? Penso todos os dias. Até recorri a terapia pra me ajudar, mas desisti. É algo que tormenta em mim. 





Os dias se arrastam, as semanas se passam e tudo continua a mesma coisa. A movimentação do centro da cidade me incomoda. Vejo rostos passando por mim, e me pergunto, se eles sentem o que eu sinto. Ou até mesmo, se já sentiram. A fila do metrô é grande, mas por incrível que pareça, neste dia não havia ninguém. Desci as escadas rolantes comendo a minha pipoca doce de todos os dias. E ali fiquei esperando o metrô chegar. 

Enquanto o metrô estava a parar, percebi que havia um homem ao meu lado. Vestia-se bem, e estava lendo um livro. Fingi não me importar, mas ouvi a voz da minha mãe no coração. Talvez eu esteja tão ligada no passado, que não tenha olhos para o futuro. 

O metrô parou. 

Entramos e eu fui logo me acomodando. Peguei o celular e coloquei os fones de ouvido, gosto de ouvir Marisa Monte, pois me acalma e me dá um pouco de paz. 
Olhei para a minha frente. O homem estava ali, com o livro em mãos, mas o olhar em mim. 

A timidez tomou conta de mim.

Com certeza, se a minha mãe estivesse comigo, já teria pedido o número do telefone dele, além de um grande esporro que eu levaria. Ainda bem que ela não está comigo, pois o único gesto que consegui fazer, foi sorrir e abaixar o olhar para mudar a música no celular. 

As estações passam. Pessoas entram e saem, mas os olhos dele não desgrudam de mim. Comecei a ficar com medo. A cidade está tão perigosa, que já pensei em ligar para a polícia. Mas respirei fundo, deve ser o meu vício em séries de investigação, que me deixaram um pouco medrosa. 

O metro parou. O homem se levantou e veio até a mim. Olhei para o alto, meu olhar era de uma criança inocente. Ele estendeu o livro que estava lendo, não tive nenhuma reação, apenas segurei e vi quando ele virou as costas para ir embora. Fiquei olhando para ele enquanto o metrô voltava a andar. Nossos olhares se apaixonaram, sem que soubéssemos nossos nomes. 

Por curiosidade, abri o livro. Ali estava anotado o número do seu telefone. Mais uma vez ouvi a voz da minha mãe dentro de mim. Resolvi ligar naquele momento, e marcamos um café no dia seguinte. 

Eu odiava o mês de março, pois havia levado uma parte de mim. Mas estou apaixonada por meados de março, pois me devolveu a paz que eu tanto precisava.

Quer um café?

Joyce Xavier  


5 comentários:

  1. Texto maravilhoso, passou bem a sensação de dor e abandono que sentimos na separação, só algué muito sensível ou que tenha passado por isso pode descrever assim tão bem, final interessante, louco mas interessante, improvável mas mesmo assim interessante, parabéns!

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  2. Lindo, apaixonante. Mas odeio o mês de agosto!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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