07 dezembro 2016

MOÇO DOS OLHOS D'ÁGUA - Por Giselle F


Saí mais cedo do trabalho naquele dia, sabendo que chegaria a tempo do trem das 21h15. Passos rápidos, quase corri. O motivo? Não faço a menor ideia.

Ao chegar na estação subi a rampa, passei na catraca e parei no começo da escada. — Droga, tô apertada, preciso ir ao toalete. — Dei meia volta e lá estava eu, já lavando as mãos. Pronto. — Esqueci a bolsa lá dentro, saco. — voltei. O blá blá blá comum dos banheiros femininos foi interrompido pelo barulho que vinha dos trilhos — Droga, droga, droga. Perdi o trem. — Passos lentos me levaram até a escada e, enquanto subia degrau por degrau — desviando dos mal-educados, pensando nas caixas pra abrir, nos móveis empoeirados e na pia cheia de louça pra lavar me esperando em casa — olhei pra cima. O motivo? Também não me pergunte, mas olhei. Foi quando o vi pela primeira vez. 

Alto, pele clara, cabelos negros, lisos e bagunçados. Mas foram os olhos, ou melhor, foi o olhar que me prendeu. Aquele mar azul decorado por longos cílios negros me congelou. Os passos que eram lentos agora quase me arrastavam escada acima. Desviei — Não precisa encarar, né. Se toca —, mas num movimento espontâneo e incontrolável, olhei pra baixo e lá estava ele, parado no pé da escada a me observar. Foram segundos, talvez apenas alguns milésimos deles. Do tempo não me pergunte, perdi a noção. Mas por algum motivo que ainda não descobri, ficamos ali, parados, congelados numa infinita troca de olhares. Ele, azul-piscina. Eu, ébano. Um encontro azul-marinho. Nenhuma palavra dita, apenas um sorriso tímido surgiu em seu rosto e eu, também sem graça, retribuí.

Alguém esbarrou em mim.

Voltei à realidade, virei o rosto e continuei meu caminho, desejando voltar e dizer algo. Mas o que diria? Não queria ser a louca que persegue olhares e pessoas em estações de trem. Não disse nada e segui. Só depois, já em casa, pensei no chefe que me liberou mais cedo, nos passos rápidos sem motivo aparente, na ida incomum ao toalete da estação e da bolsa esquecida no balcão.

Se não fosse por isso, talvez nunca tivéssemos nos encontrado — Por que não falei nada? Por que ele também não falou? Um nome, pelo menos, alguma coisa. — O motivo do encontro eu também não sei e é pouco provável que um dia eu descubra. Não procuro, não corro nem espero, mas todos os dias, no mesmo local, secreta e esperançosamente desejo encontrar, mais uma vez, aquele olhar me fitando do pé da escada. Mais uma vez, o sorriso tímido. Mais uma vez, ele.

O moço dos olhos d'água, ainda sem nome.

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GISELLE F. / Escritora 
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