11 setembro 2016

É primavera! - Por Rachel Carvalho





Hoje o dia amanheceu meio que diferente. Abri os olhos, forçada pela luz do sol que entrava pela janela, e fiquei ali. Não peguei o celular, como de costume. Só o olhei ali do meu lado, e deixei onde estava. O dia amanheceu diferente. Eu estava tentando entender o que era. Então percebi que algo já não me doía tanto. Eu respirei fundo, e havia espaços em mim. Estava leve. Não sentia mais aquele aperto, como se mãos cruéis apertassem meu peito por dentro. Suas mãos! É, elas não estavam mais ali. E não quis mais, como nas outras manhãs, que elas estivessem em mim. Não senti falta. Já era hora! 

Você foi tão cruel e covarde dessa última vez. E tão egoísta, sempre! Não nego o bem que você me fez por tanto tempo e a cumplicidade que nos uniu. Nossa amizade fez tudo ser bonito. Você esteve sempre lá e me atendeu, quando precisei. Mas o amor precisa mais do que isso. Eu te amei por cada dia desde que nos conhecemos, e isso lhe acalentou o ego a vida toda. Você sabia que não importava o que acontecesse, eu estaria lá, para você. 

E mais uma vez, eu fui quando me chamou. No entanto, fui para uma emboscada. Você indeciso como sempre, precisava de um rumo. Mas descobriu, depois de tudo, que não era eu. E me jogou aos leões do abandono. Eu não gosto nem dessa palavra, me deixa vulnerável ou dependente. Eu estava tão bem e independente. E tão inabalável, como sempre. Diferente de você. E você me desestruturou para nada. Para resolver seus conflitos. Você, você e você, sempre se colocando em primeiro lugar. Não me esquivo da culpa e da tolice de também colocá-lo no pódio de minha vida. E apesar de negar por tanto tempo, apesar de conhecer e desprezar todos os seus defeitos, hoje confesso: eu lhe idealizei. E te amei cegamente.

Você é cruel, covarde e egoísta, preciso repetir. Frio, absurdamente. Você me partiu em mil pedaços, consciente de tudo. Voluntariamente. Porque achava que precisava. Fiquei no escuro, no frio e só. Sem saber o que estava acontecendo comigo. Apavorada. O que estava acontecendo? Por onde ir? Aquilo nunca me tinha acontecido, não naquela intensidade. Eu não sabia o que fazer com o que você fez de mim. E os dias foram de inverno. De lágrimas. De desespero. Estava perdida na densa névoa da rejeição, do silêncio e do desprezo.

Eu primeiro não entendi. Depois me culpei. Depois lhe odiei. Eu procurei todos os caminhos pra sair dali. E só me via no quarto, sem querer ver ninguém. Presa em um poço de dor que eu não tinha a mínima vontade de escapar. Queria ficar lá, sentada, desolada, sem reagir.

Mas não há inverno que seja eterno, por mais rigoroso que seja. Abençoadas sejam as estações! A gente só precisa é aguentar. Então nessa manhã, eu acordei diferente. O sol entrava pela minha janela e me forçava a abrir os olhos... Eu não tinha percebido, mas a primavera estava chegando já alguns dias. O coração se sentia aquecido de novo. O gelo que me cortava e me feria, não estava mais ali. Bendito seja o sol que leva embora nossos medos. As flores surgiam tímidas. Então sorri. E até agradeci. Nada justifica o que você me fez, nada! Mas já sei agora o que fiz com o que você fez de mim: eu me fiz assombrosamente forte. 

E quanto a você, não quero nem saber. Porque, na verdade, sei. Segue fraco, medroso e infeliz.

Rachel Carvalho

Mais texto em: Sobre sentimentos

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