23 setembro 2016

Volta logo - Por Giselle Ferreira



O sol já tomava conta do quarto, quando sentiu que o lado esquerdo da cama estava vazio. Lembrava de um beijo, mas ainda não sabia se era uma lembrança de fato, ou apenas resquício de sonho bonito. A dúvida foi tirada quando ouviu a voz doce que vinha da ponta da cama. Não era sonho.

— Bom dia meu amor, dormiu bem?
— Uhum — disse, com os olhos fechados e a voz ainda carregada de sonhos.
— Vou tomar um banho, você faz o café?
— Hm... Já vou. — ainda sem saber se já acordara realmente.

Da cama pôde ouvir o som da água caindo e um cantarolar leve, sorridente. O dia vai ser bom. É... vai. — pensou. 

Levantou, lavou o rosto, deu bom dia para o espelho, abriu a porta do box e deixou um beijo molhado no chuveiro. Foi até a cozinha, ferveu a água e preparou o café com a medida de sempre. Duas colheres de sopa de café, 500ml de água, três colheres de açúcar e amor a gosto. Pronto! — abriu mais um sorriso e se aproximou pra sentir o cheiro de bom dia fresco.

— Amor, o café tá pronto. Vai demorar?
— Não, jajá eu chego aí. Vou me trocar.

Sentou no sofá e ficou ali por alguns minutos, observando a rotina de todos os dias. Cadê minha calça?... Deixa, já achei. — já conhecia todas as falas e as repetia, quase que de forma sincronizada, ainda que em silêncio. E sorria. Viu onde eu deixei meus... Xá pra lá, já achei também. — desconfiava que sempre sabia onde tudo estava, mas perguntava só pelo prazer do cuidado. E da preguiça de procurar, claro.

Sabia bem que nada grandioso acontecia naquela manhã, mas sorria pelo prazer de observar a vida que, aos trancos e barrancos, construíram. O café era o mesmo, a roupa era a de sempre, nenhuma data especial marcada no calendário, nenhum aniversário ou acontecimento importante estava por vir. Mas sorriam.

Dali do sofá, admirava o ir e vir apressado, atrasado. Ainda que a manhã começasse agitada, era calmaria que se espalhava por dentro. Mais uma vez a certeza tomou conta dos pensamentos e a felicidade estampada em seu rosto transparecia, ainda que não pudesse ser vista por qualquer pessoa que lhe encontrasse por aí.

— Por que você tá sorrindo assim? — um flagra.
— Não sei do que você tá falando. Minha boca tá fechada.
— Não precisa mexer a boca pra eu saber que você sorri. São seus olhos que sempre te entregam, lembra?

Era verdade. Por mais que tentasse disfarçar, seus olhos sempre lhe entregaram. Quando tristes, choram sem derramar lágrimas e quando felizes, sabem sorrir sem que o rosto mude. Bastava uma piscada lenta para que entregassem seus pensamentos apaixonados. E naquela manhã não foi nada diferente.

Após o café e uma boa dose de conversas sobre tudo — sem que percebessem, criaram esse hábito —, ganhou um beijo na testa, seguido de um abraço apertado e um jajá eu tô de volta. Depois da testa, lhe beijou os lábios como quem deseja que as horas passem logo e o "jajá" seja mais breve do que realmente é.

— Não queria que você tivesse que ir.
— Nem eu.
— Promete que volta logo?
— Prometo.

Ficou observando os passos apressados nos corredor, até que eles estivessem fora do seu alcance. Fechou a porta do apartamento, serviu mais uma xícara de café, abriu a cortina e voltou ao sofá. Sorriu, mais uma vez, sem abrir a boca.

— O dia vai ser bom. É... vai.


Giselle Ferreira

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