09 setembro 2016

Me dá um cigarro? - Por Giselle Ferreira





— Oi, quanto tempo. Não imaginava te encontrar por aqui. Você está diferente.

— É, você também. Emagreceu, né? Também não esperava te encontrar aqui, ainda mais de madrugada. E aí, como vai o casório?

— Ótimo. E assinamos o divórcio há uma semana.

— Meus pêsames. Ouvi dizer que estava feliz.

— Nunca daria certo mesmo! Ela era um pouco demais.

— Você e essa mania infinita de se diminuir. Nunca muda?

— Muda sim. Ela era fresca demais, encanada demais, insegura demais, pirada demais. Não deu. Sabe, tudo é lindo no primeiro momento e a gente até curte esse lance de "Me arrumei pra você" e todos os mi mi mis. Mas, vamos combinar, não há nada mais sexy do que uma mulher despenteada, sem máscaras — em todos os sentidos que puder imaginar — e sem frescuras. Você bem sabe, odeio mulher fresca.

— Deixa eu adivinhar? Ela era do tipo que levantava antes de você, tomava banho, escovava os dentes, passava enxaguante bucal e depois deitava porque "Beijo com hálito matinal é uó"(risos) Ou daquele tipo que nunca, em hipótese alguma te agarraria depois que chegou da academia, suada e te faria... Bom, você sabe.

— É, mais ou menos por aí. (risos) Como eu disse, nunca daria certo. E essa da academia, lembra daquela vez que... Deixa pra lá. Mas, e você? Me disseram que se mudou.

— É. Mudei mais do que o endereço, mas deixa essa parte pra lá. Conheci alguém tempos atrás.

— Sério? E aí, como estão?

— Não estamos mais. Essa coisa de possessividade, de "Aonde você vai com essa saia curta?""Não admito que você saia com um decote desse tamanho" me tira do sério. Se, no começo, rolar um draminha, uma chantagem daqui, um charme dali, tudo bem. Mas não nasci pra andar com coleira. Ninguém me adestra, entende? É, você entende.

— Que idiota. Mal sabe que a graça é justamente ver aquele povo babando no teu decote, no teu batom vermelho e na valsa ensaiada das tuas coxas. E, mesmo que um sorriso ou outro te encantassem, no fim da noite era pra mim que você se desmontava. Os outros te viam, mas só eu te conhecia e... Desculpa... Eu...

— Tudo bem, não precisa pedir desculpas.

(...)

— Sabe, fico me perguntando se... onde foi que...

— Não. Não faça isso. Por favor. Não olhe pra trás assim.

— Mas...

— "Mas" nada. Tira a interrogação daí e pronto. Ponto.

— Sempre curta, grossa e me interrompendo. (risos)

— Sempre com drama e sem freios. (risos)

(...)

— Me dá um cigarro?

— Desde quando você fuma?

— Desde que a última coisa que eu tinha nas mãos escapou e não voltou. Precisava de algo pra colocar no lugar. 

— Mas isso mata. Você deveria parar.

— Saudade também, mas olha só, continuo vivinha da silva! Vai me dar o cigarro ou não?

— Parei de fumar, agora só morro de saudade.

— De beber também?

— Não é pra tanto.


(...)

— Então...

— Meu táxi chegou.

— Ah, tudo bem. Vai lá.

— Te vejo aqui amanhã a noite?

— Talvez. A gente se vê.

— É. A gente se vê.


                Pegou a mochila, entrou no carro e saiu. Olhou para trás. A moça de lábios vermelhos, salto 15, decote V e mini-saia lhe observava ir embora. Mais uma vez.


— Garçom?

— O que deseja, senhorita?

— Me dá um cigarro?


Giselle Ferreira

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